quinta-feira, 2 de setembro de 2010

RESUMO: ENSINO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: O PROCESSO DE ABSTRAÇÃO REFLEXIONANTE

Luciane Mila Haag

Disciplina: Bases Psicológicas da Aprendizagem

Docente: Prof. Ms. Clarice Linhares



ABSTRAÇÃO REFLEXIONANTE



Para muitos, o conhecimento é entendido como um produto da sensação ou da percepção. Para Piaget, o conhecimento é uma construção e ele explica essa construção através da abstração reflexionante que é um processo que se comporta através do reflexionamento, que é uma projeção sobre um patamar superior daquilo que foi tirado do patamar inferior e, também pela reflexão, que é um ato mental de reconstrução sobre o reflexionamento.

O material retirado por reflexionamento vem de duas fontes possíveis: dos observáveis, isto é, “dos objetos ou das ações do sujeito em suas características materiais” (abstração “empírica”) e, dos não-observáveis, isto é, das coordenações endógenas das ações do sujeito (abstração “reflexionante”).

A abstração reflexionante tem dois desdobramentos: é uma abstração pseudo-empírica se o objeto é modificado pelas ações do sujeito e é uma abstração refletida se o resultado da abstração reflexionante se tornar consciente.

No significado da palavra abstração reside o aspecto limitado e o aspecto progressivo do conhecimento, pois o objeto nunca é conhecido totalmente e também, o conhecimento está restrito ao que o sujeito pode assimilar dos observáveis ou não-observáveis.

O sujeito retira por abstração e modifica por acomodação assim que o esquema de assimilação é percebido como insuficiente. O esquema refeito, então, pode realizar novas abstrações empíricas ou reflexionantes. E isto ocorre sucessivamente. Mas as novas respostas do sujeito não são automáticas, elas dependem da necessidade ou motivação. Pois para Piaget, a necessidade ou motivação constituem o aspecto cognitivo ou afetivo da ação.







DIFERENCIAÇÃO E EQUILÍBRIO



Segundo Piaget, o equilíbrio cognitivo não é um estado de inatividade, mas de constantes trocas. Tais trocas realizam a conservação do “ciclo de ações ou de operações interdependentes”, isto é, realizam a conservação do sistema. E este equilíbrio só é possível quando o sistema (organismo) se mantém aberto ao meio e faz trocas com ele. As trocas são possíveis porque o sistema se mantém em funcionamento; mantém ele em funcionamento porque procede trocas com o meio. Mas este movimento não é circular porque os elementos em interação não são sempre iguais. Através destas trocas o objeto se transforma por assimilação, que pode ser empírica ou reflexionante. Como o objeto nunca pode ser assimilado totalmente, ele impõe modificações no mundo endógeno do sujeito e este nem sempre dispõe de instrumentos (esquemas ou estruturas) para responder às imposições do objeto, então o sujeito tem que construir tais instrumentos por modificação dos instrumentos já existentes ou por construção de instrumentos novos. Torna-se necessário que o sujeito se transforme a si mesmo. Piaget chama esse processo de acomodação, que implica, pois, na transformação do sujeito. Assimilar e acomodar são ações transformadoras do próprio sujeito e, à medida que elas acontecem no plano do objeto, acontecem no plano do sujeito. Logo, o sujeito se faz sujeito na medida de sua ação transformadora sobre os objetos. Mas, segundo Piaget, isso só ocorre se condições objetivas não impedirem o processo, como os estímulos externos programados por alguma instância institucional, como a escola, por exemplo. A ação transformadora, para Piaget tem que ser espontânea, isto é, partir das necessidades dos indivíduos ou grupos. Reside aí a produção das novidades, própria da ação reflexionante.



EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E AÇÃO DOCENTE



A matéria-prima do trabalho do professor é o conhecimento. Não é conseguir que o aluno faça isso ou aquilo, mas conseguir que ele compreenda, por reflexionamento próprio, como fez isto ou aquilo. O desenvolvimento do conhecimento para Piaget ocorre assim e, não no mero nível da ação prática. O aluno então ultrapassa o plano real dos objetos manuseados e projeta-se sobre o plano dos possíveis, isto é, o conjunto dos aparelhos possíveis a partir de determinadas condições. E os patamares de reflexionamento vão se sobrepondo de acordo com o seguinte processo espiral: “todo reflexionamento de conteúdos (observáveis) supõe a intervenção de uma forma (reflexão) e os conteúdos assim transferidos exigem a construção de novas formas devidas à reflexão. Há, portanto, uma alternância ininterrupta de reflexionamentos -> reflexões -> reflexionamentos; e (ou) de conteúdos -> formas -> conteúdos reelaborados -> novas formas, etc., de domínios cada vez mais amplos, sem fim e, sobretudo, sem começo absoluto” (Piaget, 1977, p. 306).

Vemos como o trabalho da ação reflexionante sobrepõe-se ao da abstração empírica, restringindo o campo de atuação desta e alargando indefinidamente os referenciais daquela, pois o conhecimento é resultante de uma construção que ocorre na interação sujeito-objeto e não uma cópia ou radiografia do objeto.

Experiência para Piaget não é prática, mas o que se faz com a prática, pois o saber não vem da prática, mas da abstração reflexionante “apoiada sobre” a prática. É por isso que o professor precisa saber como se constitui o conhecimento, para não tornar inócuo o processo de aprendizagem e até obstruir o processo de desenvolvimento que o fundamenta.

O treinamento é a pior forma de se entender, na prática e na teoria, a produção escolar do conhecimento, pois ele atua no sentido da destruição das condições prévias do desenvolvimento. Na medida que o treinamento exige o fazer sem compreender, separando a prática da teoria, ele subtrai a matéria-prima do reflexionamento anulando o processo de construção das condições prévias de todo o desenvolvimento cognitivo e, portanto, de toda a aprendizagem. É nesse sentido que a Epistemologia genética piagetiana constitui-se em um poderoso instrumento de compreensão do processo de desenvolvimento do conhecimento humano e, por conseqüência do processo de aprendizagem escolar.




REFERÊNCIA



BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre, RS: Artmed Editora, 2001.

RESUMO: APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO

APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO:




O processo de aprendizagem se constitui na definição mais ampla da palavra educação.

A educação, por sua vez, possui quatro funções: uma função mantenedora que garante a continuidade da espécie; uma função socializadora que transforma o indivíduo num sujeito social; uma função repressora com o objetivo de conservar as limitações que o poder destina a cada classe social; e, uma função transformadora que leva a um desenvolvimento da consciência do aluno. Este caráter complexo da função educativa leva a aprendizagem a parecer simultaneamente como uma instância alienante e como uma possibilidade libertadora. Logo, o sujeito que não aprende, não realiza nenhuma das funções sociais da educação.

Se existe problema de aprendizado, a psicopedagogia pode, com seu exercício, realizar o cumprimento de ambos os fins educativos, visando fazer o sujeito integrar-se na sociedade, mas dentro da perspectiva da necessidade de transformá-la.

A fim de esclarecer o alcance das técnicas psicopedagógicas aplicadas aos problemas de aprendizagem, convém diferenciar os problemas de nível: onde os problemas de aprendizagem se superpõem ao baixo nível intelectual; dos problemas exclusivamente escolares: que surgem de uma mal elaborada transição do grupo familiar ao grupo social, se apresentando na forma de indisciplinas, por exemplo. E, por outro lado, estabelecer a diferença entre a perspectiva psicopedagógica: que se interessa pelos fatores que determinam o não-aprender no sujeito e pela significação que a atividade cognitiva tem para ele; e a perspectiva estritamente pedagógica: que se preocupa principalmente em construir situações de ensino que possibilitem a aprendizagem, incrementando os meios, as técnicas e as instruções para corrigir a dificuldade que o educando apresenta.



DIMENSÕES DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM:



Não se pode assimilar a aprendizagem através de uma construção teórica coerente, pois a mesma não é uma estrutura, seu processo se deve mais à sua função e modalidade.

A epistemologia busca através de diversas teorias explicar o processo de aprendizagem.

Na dimensão biológica do processo de aprendizagem, Piaget, em sua obra Biologia e conhecimento, descreve três tipos de conhecimento: o das formas hereditárias programadas e somadas ao conteúdo informativo do meio onde o indivíduo atuará; o das formas lógico-matemáticas que se constroem progressivamente segundo estágios de equilibração crescente; e, em terceiro lugar, o das formas adquiridas em função da experiência. Este ponto de vista biológico diz que haveria uma aprendizagem em sentido amplo que consiste no desdobramento funcional de uma atividade estruturante e uma aprendizagem em sentido mais estrito que permite o conhecimento das propriedades e das leis dos objetos particulares. Por sua vez, P. Gréco, no volume VII do Tratado de Psicologia Experimental, considera diferenciar três tipos de aprendizagem: o primeiro, onde o sujeito adquire uma nova conduta adaptada a uma situação anteriormente desconhecida através de uma organização prévia baseada em ensaio e erro; o segundo, onde a experiência tem por função confirmar ou corrigir as hipóteses ou antecipações que surgem da manipulação interna dos objetos (aprendizagem da regulação); e, em último lugar, a aprendizagem estrutural, que está vinculada às estruturas lógicas do pensamento.

Na dimensão social do processo de aprendizagem, para o materialismo histórico, o processo de aprendizagem compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que, específica (escola) ou secundariamente (família), promovem a educação, onde o sujeito histórico assume e incorpora uma cultura em particular, à qual, por sua vez, se sujeita. Neste sentido a aprendizagem garante a continuidade do processo histórico e a conservação da sociedade como tal.

No processo de aprendizagem como função do eu (yo), o pensamento associativo permite resolver a pressão dos impulsos, interpolando entre a necessidade e o desejo. W. Bion considera que o ego é uma estrutura cujo objetivo é estabelecer contato entre a realidade psíquica e a realidade externa onde elementos alfa são captados numa experiência emocional e são integrados ao conhecimento como partes da pessoa. Para ele, também haveriam os elementos beta, que entrariam no sujeito como “coisas” não digeridas, formando assim um lastro não utilizável nem pela imaginação, nem pela inteligência. Esta é a distinção entre pré-conciente e inconsciente. A mente também possui capacidade de discernimento e pode perceber o que convém e o que não convém. Outra possibilidade da inteligência humana para deter a demanda impulsiva é as de deter e memorizar, pois causa expectativa com relação ao exterior.

Resumindo, é o sujeito aprendendo que pertence a um grupo social particular passível de ser definido estruturalmente por meio do materialismo dialético, com um equipamento mental geneticamente determinado e cumprindo uma continuidade biológica funcional, e isto para cumprir o destino de outro.



CONDIÇÕES INTERNAS E EXTERNAS DA APRENDIZAGEM



Existem dois tipos de condições para a aprendizagem: as externas, que definem o campo de estímulo, e as internas que definem o sujeito. Ambas podem ser estudadas em seu aspecto dinâmico, como processos e em seu aspecto estrutural, como sistemas.

A Psicologia da Forma procura superar a dicotomia estímulo-resposta dizendo que nem a situação,nem o sujeito apareceriam como ativos ou passivos, mas que ambos se organizariam numa nova forma onde os dois momentos apareceriam juntos e a aprendizagem se daria como um insight da situação total e uma ação intuitiva regularia energicamente o campo.

Na linha pragmatista da Escola Ativa tem se defendido o aspecto social da aprendizagem e favorecido como estímulo a situação em que o indivíduo está imerso. Tal situação se transforma no “problema” e a aprendizagem é a estratégia para sua resolução.

As condições externas da aprendizagem são desprezadas frequentemente pelo psicopedagogo, principalmente, se sua formação foi eminentemente psicanalítica.

As condições internas de aprendizagem fazem referência a três planos estreitamente relacionados: o primeiro plano é o corpo como infra-estrutura neurofisiológica para desenvolver o aprendizado; o segundo plano refere-se à condição cognitiva da aprendizagem, isto é, estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento; o terceiro plano está ligado à dinâmica do comportamento, dizendo que a aprendizagem depende do comportamento do indivíduo.

Dentro da teoria psicanalítica a possibilidade de que aconteça a aprendizagem está relacionada a dois níveis descritos por Freud. No primeiro, em “uma psicologia para neurólogos” ele faz a distinção processos primários e secundários, onde nos últimos, através do ego o sujeito consegue moderar a representação do objeto (catexia) e inibir o impulso, mas explicando que nem toda sanção do pensamento neutraliza ou descarrega o sistema, pois ele considera que os erros lógicos podem provocar sensação de desprazer e, por conseguinte, haveria uma sensação de prazer na organização de um raciocínio bem equilibrado.e aquele derivado da posição tópica do pré-consciente. No outro nível, em “O Ego e o ID” ele apresenta a diferença entre o consciente e o inconsciente e divide o aparelho psíquico em id (ello), ego (yo) e superego (superyo). Onde a representação do pré-consciente é propriamente um pensamento que investe na linguagem, enquanto que o que está no inconsciente é irreconhecível para a consciência. Isto nos demonstra que se considerarmos que a aprendizagem se produz na pré-consciência, não se ensina apenas para verificar a incorporação da experiência (de fora para dentro), mas sim, se ensina de dentro para fora resgatando do inconsciente o que pode se tornar pré-consciente e, como tal, utilizável pelo pensamento.



O PROBLEMA DA APRENDIZAGEM: FATORES



Pode-se entender o problema da aprendizagem como patologia num sentido amplo e num sentido estrito. Este último refere-se ao problema clínico presente no consultório ou na escola, é um desvio mais ou menos acentuado da normalidade, mas aceitável, característico do sujeito que aprende. O sentido mais geral tenta entender como o adulto limita sua atividade cognitiva e acaba se alienando na ignorância e procura descobrir que estruturas levam à disfunção da inteligência.

O problema da aprendizagem, por não ser um quadro permanente, pode ser considerado um sintoma e possui causa multifatorial.

O diagnóstico é sempre uma hipótese e pode ser ajustada no decorrer do tratamento, sendo que os fatores fundamentais que devem ser levados em consideração para o mesmo são os fatores orgânicos, e os fatores ambientais. O primeiro é importante pois para a leitura e integração da experiência é fundamental a integridade anatômica e o funcionamento dos órgãos diretamente relacionados com a aprendizagem. Portanto, em primeiro lugar é importante atender à saúde do analisado. Investigar disfunções como hipoacusia, miopia, integridade do sistema nervoso central, funcionamento glandular, fatores ligados à alimentação, pois quando o organismo está equilibrado, o sujeito realiza o exercício cognitivo, não afetando seu desenvolvimento intelectual.

A “dislexia” merece uma atenção especial, pois se trata de um problema localizado dentro das agnosias, o que não impede que o indivíduo afetado possa reconhecer os fonemas através de sua grafia. Por mais que seja difícil a reeducação, devem se usar vias de compensações através dos canais que permanecem sadios. Mas, em outros casos, a dislexia é usada apenas como um nome mais elegante para traduzir a dificuldade para aprender a ler ou escrever. Nestes casos, o tratamento psicopedagógico alcança êxito quando o diagnóstico é correto e a estimulação é apropriada.

Em Inibição, sintoma e angústia, Freud diz que o termo inibição pode atribuir-se à diminuição da função e que o sintoma seria a transformação da função. Pode-se então considerar estas duas possibilidades para o fato de não aprender. Na primeira, uma repressão do acontecimento e, na segunda, uma retração intelectual do ego, que segundo Freud, acontece em três oportunidades: quando há sexualização dos órgãos comprometidos, quando há evitação do êxito e quando o ego está absorvido em outra tarefa psíquica que compromete a aprendizagem.

A inibição do processo sintetizador do ego aparece também como uma particularidade do fenômeno neurótico, em que o sujeito pode responder ao impulso de repetição da situação traumática ou negá-la, o que pode manifestar-se como fobia. Das diferentes modalidades de defesa, algumas interessam diretamente ao problema de aprendizagem. A negação, onde se foge da realidade, e a denegação, que mesmo que admita a realidade a desqualifica devido ao egocentrismo.

Os problemas de aprendizagem não podem considerar-se como “erros” no sentido de Freud, porque são perturbações produzidas durante a aquisição e não nos mecanismos de conservação e disponibilidade.

O fator psicógeno do problema de aprendizagem se confunde então com sua significação, mas não se pode admiti-lo sem levar em consideração as disposições orgânicas e ambientais do sujeito.

Nos fatores ambientais, é considerado o meio ambiente material do sujeito, às possibilidades reais que o meio fornece, à quantidade, à qualidade, freqüência e abundância dos estímulos que constituem seu campo de aprendizagem habitual.

O fator ambiental é, especialmente determinante no diagnóstico do problema de aprendizagem, na medida em que nos permite compreender sua coincidência com a ideologia e os valores vigentes no grupo. Não basta situar o paciente numa classe social, é necessário, além disso, elucidar qual é o grau de consciência e participação.




REFERÊNCIA



PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.