quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Por que eu sou tão gorda?


Resposta:

Por que a vida é igual a uma máquina de lavar roupas. Ela vai girando e batendo em nós. Aí ela pára e ficamos quietos um pouco. Depois de um certo tempo ela volta a girar e a bater de novo. E assim a gente vai indo. Girando e parando. Até que chega um dia que a gente vê que a gente cresceu demais, nosso corpo está grande e pesado demais e não entendemos o por quê.

É que na verdade, na medida em que íamos apanhando, a cada parada dessa máquina de lavar, nós fomos criando nosso escudo protetor. Uma camada de gordura corporal em todos os lugares que a gente apanhava.
Essa gordura serviu como uma almofada para que as batidas não doessem e machucassem tanto.
Só que agora a máquina parou. Entramos "sujos" e saímos "limpos" com muitos quilos a mais.
Existem muitas teorias, algumas até falam que são karmas que viemos resolver aqui. Mas não vou entrar nesta questão.
Todas essas coisas e motivos ainda são um mistério e mistério não se explica.
Só entendemos que a vida tem fases, épocas, instantes.
Num instante estamos apanhando e no outro não.
E como eu falei, a cada parada da máquina, nós aproveitávamos para preparar nosso escudo de proteção e, quanto mais forte e volumoso ele ficava, nosso peso e tamanho aumentavam também.
E viramos um boneco da Michelin, kkkk
Eu levo na brincadeira, mas se olhar no espelho com o corpo todo transformado por nosso "escudo" protetor nos desanima e ficamos tristes.
Nossas roupas não servem mais.
Nossos sapatos ficam apertados.
Minha cara parece uma bolacha.
Minha barriga chega antes de mim em todos os lugares.
Minhas coxas estão tão grossas, que não entram em calça nenhuma.
Que vergonha usar um shorts.
Biquine? Só se for com canga.
E sutiã? Ficam todos apertados.
Eu vou na loja e não acho uma roupa que fique boa para mim e tenho que comprar o que ME SERVE e não o que eu gosto.
E a papada? Sem comentários.
É muito triste mesmo.
Mas sabe o que seria mais triste?
Morrer de dor e não saber se defender.
E sabe o que é mais triste ainda?
É ter apanhando na vida e não ter tido ninguém ao seu lado para te proteger.
Nem sua mãe, nem seu pai.
Nem um amigo, primo, tio, tia...
Ninguém.
Porque eu digo ninguém?
Porque todo trauma que acontece na nossa vida vivemos em solidão. É uma coisa nossa que ninguém pode viver por nós e é por isso que dói tanto. Não temos ninguém para dividir.
Não existe sensação mais terrível que a falta de proteção frente a um agressor. 
Seja uma agressão em palavras, seja física mesmo.
Ele te ofende, ele te prende, ele te empurra, ele te bate, quebra suas coisas, rasga suas roupas e calcinhas, não deixa você se arrumar, tomar banho, passar perfume. 
Hoje você não é mais vaidosa. Nem se arruma mais. Prefere ficar em casa. E até falha o banho por alguns dias. Está totalmente de lado. 
Mas eu entendo. Vai que você se arruma e fica linda de novo e tudo volta não é mesmo?
Você passou por medos intensos e é melhor evitar.
E assim fomos nos defendendo das batidas e abandonos da vida.
Sim, pode ter sido que eu fui abandonada por meus pais e tive que saber sobreviver. Para viver sem os pais eu preciso me proteger e nada que um forte e gordo escudo não resolva.
Só que não...
Se as pernas ficaram mais grossas...
Quantos não nos bateram para que não fôssemos para outro lugar? Quantos impediram nosso movimento de ir e vir.
O bumbum está enorme e desfigurado? Caído e cheio de celulites? Melhor assim né? Com esse escudão no popozão! Assim aquele ou aqueles que me feriram por ser mulher, que me judiaram no sexo, ou aquele até se tornou meu marido e pai dos meus filhos, por exemplo, agora não chega mais perto né? Nada como uma bunda feia para afastar os homens.
O quadril está largo? Enorme? Quanta proteção não tivemos que colocar ali para proteger as crianças? Nossos filhos? Foi difícil ser mãe cedo ou mãe solteira. Tive que dar conta. Foi difícil também ser mãe ao lado de um marido violento, que era ciumento demais e que quebrava tudo em casa. Como proteger os filhos desse maluco, se não consigo nem proteger a mim mesma?
Os seios já não são mais os mesmos, estão caídos e gordos, pois não aguentaram o peso de ter que nutrir tanto os filhos como o marido. Até tentaram aumentar a força para ficarem empinados, mas o peso foi maior e caíram.
Os braços parecem "braço de caminhoneiro". Kkkk. Tem que rir para não chorar.
Nem em sonho aquele blazer e aquela jaqueta que eu amava servem mais. As mangas não passam, e quando passam, fica tudo estourando, a jaqueta não fecha o zíper e os braços ficam presos.
Mas também? Quantas vezes não tive que me defender do agressor quando ele veio para cima de mim?
E a barriga? A circunferência da barriga? Sabem por que ela aumentou? Porque o mais largo é mais difícil de tombar, de empurrar, de cair. Tipo um lutador de sumô sabe? Um poste grande e alto é mais fácil de derrubar que um lutador de sumô. É uma questão de alavancagem.
Mas o que mais me dói é o dia que ele tentou me enforcar na minha própria cama. Hoje tenho uma papada enorme para me proteger.
Tadinho do meu cérebro, quanta ingenuidade. Sempre querendo me ajudar.
Mal sabe ele que na verdade não ajudam em nada todas essas "almofadinhas" ou "almofadonas" de gordura que ele colocou em torno do meu corpo e dos meus órgãos.
Mas eu entendo meu cérebro, ele só sabe agir de forma irracional, por ação e reação, buscando me proteger de futuros ataques. É a única forma que ele sabe fazer para me manter viva.
Agora que eu já sei tudo isso, por que não emagreço? 
Resposta: 
Por que ainda estou vivendo e revivendo as ameaças das surras que a vida me deu de alguma forma. Ou seja, ainda me sinto dentro da máquina de lavar roupa.
Estou em um momento de calmaria e aproveitando para reforçar ainda mais meu escudo protetor, pois a máquina pode voltar a girar e bater a qualquer momento.
Lú Mila.